Nome: Teresa Olea Molina
Idade: 33
Profissão: Coordenadora de intimidade
As duas obras mais significativas da tua carreira profissional:
Que pergunta difícil! Nos últimos anos tenho-me dedicado ao setor audiovisual e, felizmente, tive a oportunidade de integrar equipas em projetos bastante enriquecedores, especialmente na Grécia, onde escrevi e co-realizei a docuficção Strofades, que me permitiu entrar no mundo do cinema; ou alguns trabalhos na área da publicidade que acabaram por ser premiados.
Ainda assim, o meu percurso profissional não é muito convencional, e por isso é difícil escolher apenas entre projetos audiovisuais, de curadoria ou de trabalho social e imigração, três áreas que têm marcado profundamente o meu caminho e que, para mim, se complementam de forma muito orgânica.
No que diz respeito à coordenação de intimidade, é um percurso ainda recente. Já colaborei em vários projetos em Espanha como assistente ou em substituições através da IntimAct, mas os trabalhos onde assumi a coordenação principal foram Daughter of the Earth, da realizadora Lilli Tautfest (uma produção alemã rodada no sul de Portugal), e o mais recente filme do André Godinho, produzido pela Terratreme, que se encontra atualmente em fase de finalização.
Em que função trabalhas?
Atualmente estou focada na coordenação de intimidade.
Sempre trabalhaste nessa função, ou antes de te dedicares à coordenação de intimidade, exercias outras funções no campo do cinema e do audiovisual?
Entrei no mundo do cinema e do audiovisual através da produção, no momento estava a trabalhar com produção cultural e curadoria e o meu círculo era maioritariamente ligado ao audiovisual. Inicialmente, foi por curiosidade, mas rapidamente fui convidada para co-realizar e escrever alguns projetos e encontrei uma forma criativa que me cativou.
Já com alguma prática no setor, decidi então estudar cinema de forma mais aprofundada. Também tive oportunidade de explorar outras áreas, como a direção de arte e a representação, que continuo a desenvolver atualmente.
Não sinto a necessidade de me fixar numa única função. Gosto de poder contribuir criativamente em diferentes áreas, conforme o projeto. Também sinto que limitar-me a um só papel seria limitar a minha própria expressão. Para mim, criar é um processo fluido e poder explorar diferentes linguagens e pontos de vista é essencial.
Como surgiu o interesse de te formares nesta área?
Descobri a coordenação de intimidade enquanto preparava a minha primeira curta-metragem de ficção como argumentista e realizadora individual. O guião incluía uma cena de sexo lésbico, e comecei a refletir sobre duas preocupações principais. Primeiro, como garantir um ambiente seguro e respeitador para as atrizes, sendo capaz de transmitir a minha visão artística sem exercer qualquer tipo de pressão, pois já tinha consciência das dinâmicas de poder que se estabelecem num set, mesmo de forma inconsciente. E segundo, como filmar corpos femininos e representar intimidade entre mulheres sem recorrer a estereótipos ou clichés, evitando o chamado male gaze (olhar masculino). A cena não foi filmada como estava pensada pois não me sentia com ferramentas suficientes para afrontá-la com qualidade e segurança e fiz algumas modificações.
Mas foi bom, porque durante essa investigação, descobri o trabalho pioneiro de Ita O'Brien, e também referências fundamentais como Alicia Rodis, Amanda Blumenthal e Claire Warden, que têm contribuído imenso para o desenvolvimento desta área. Entrar em contacto com este universo foi profundamente revelador para mim, a possibilidade de aliar a criação artística a um trabalho transformador dentro da indústria pareceu-me não só necessária, mas também inspiradora.
Pouco tempo depois, tive a sorte de integrar a primeira formação em coordenação de intimidade em castelhano, organizada pela IntimAct, dirigida a profissionais da Península Ibérica e da América Latina. Foi um momento de grande alinhamento pessoal e profissional.
Explica-nos brevemente o trabalho de uma coordenadora de intimidade e a sua importância.
A coordenação de intimidade é uma prática profissional que tem como foco a criação de um ambiente de trabalho seguro, ético e colaborativo durante a preparação e rodagem de cenas que envolvem nudez, intimidade física ou sexualidade. Na IntimAct, vemos esta função como um trabalho de mediação e cuidado.
O nosso papel passa por garantir que existe um espaço de consentimento claro e informado, facilitar a comunicação entre intérpretes e direção, e estabelecer limites físicos e emocionais de forma transparente.
Também coreografamos as cenas com base em técnicas que respeitam o corpo, o ritmo e os limites de cada pessoa, sem perder de vista a dimensão artística. O objetivo é apoiar a visão criativa da realização, assegurando ao mesmo tempo o bem-estar dos intérpretes e de toda a equipa. Quando isso acontece, o resultado vê-se no ecrã com cenas mais honestas, seguras e potentes.
És uma das primeiras pessoas em Portugal a trabalhar como coordenadora de intimidade. Qual tem sido a tua relação com o meio português?
Tem sido um processo de descoberta e aprendizagem mútua. O mercado audiovisual português está ainda a dar os primeiros passos no reconhecimento formal desta função, por isso muito do meu trabalho passa por sensibilizar equipas, conversar com realizadores e produtoras, e mostrar na prática o impacto positivo da coordenação de intimidade. Sinto muita abertura e curiosidade, especialmente por parte dos intérpretes, que muitas vezes expressam alívio e gratidão por terem esta figura em cena. Com o tempo, acredito que esta função será integrada naturalmente como parte das equipas criativas e técnicas.
O que gostavas de transmitir aos produtores de cinema e de audiovisual de forma a sublinhar a importância na rodagem de ter um coordenador de intimidade?
Gostava de reforçar que a coordenação de intimidade não é apenas um mecanismo de proteção, mas sim uma ferramenta criativa. Tal como temos diretores de fotografia, coreógrafos de ação ou figurinistas, esta é uma função técnica e artística que contribui diretamente para a qualidade narrativa e visual das cenas. E não se aplica apenas ao cinema ou à televisão. A coordenação de intimidade é igualmente fundamental em publicidade, videoclipes e performances, contextos onde, muitas vezes, se abordam conteúdos sensíveis de forma apressada e com pouco tempo de preparação. Além disso, o nosso trabalho começa logo na pré-produção: colaboramos com realização, produção e direção de atores desde o início, para garantir coerência, segurança e criatividade em todas as fases do processo.
Também é importante sublinhar que contar com coordenação de intimidade ajuda a evitar imprevistos e situações desconfortáveis que podem comprometer tanto o ambiente de trabalho como o resultado final.
Ao antecipar potenciais riscos e trabalhar com clareza desde o início, conseguimos poupar tempo, dinheiro e, acima de tudo, proteger as pessoas envolvidas. Para além disso, ajudamos a trazer mais verdade, profundidade e realismo criativo às cenas, algo que se sente, e muito, no ecrã.
Achas que a existência de coordenadores de intimidade em rodagens pode também contribuir para a prevenção e combate a abusos sexuais que possam existir?
Sim, sem dúvida. A presença de um coordenador de intimidade estabelece práticas claras de consentimento e comunicação, criando uma cultura de respeito e responsabilização dentro das equipas. Isto ajuda a prevenir situações de abuso, mas também oferece um canal seguro para que os intérpretes se sintam ouvidos e protegidos. A função é preventiva, educativa e também transformadora a nível sistémico.
Como reages ao facto de recentemente algumas actrizes americanas terem publicamente recusado o trabalho com coordenadoras de intimidade? Achas que é desconhecimento? E que pode ser prejudicial para a afirmação dessa função?
Acredito que, em muitos casos, essas posições vêm de uma má compreensão do papel da coordenadora de intimidade. Há quem sinta que esta figura limita a sua liberdade artística ou interfere na relação com o realizador, mas isso reflete um desconhecimento sobre o verdadeiro propósito da função. Claro que cada intérprete tem o direito de se posicionar, mas é importante esclarecer que o nosso trabalho existe para apoiar, não para controlar, e que os benefícios são evidentes quando o processo é bem conduzido. Essas resistências podem atrasar o reconhecimento da importância da função, mas também geram conversas muito necessárias em relação às práticas dos coordenadores de intimidade.
Do meu ponto de vista, é fundamental que, dentro da coordenação de intimidade, mantenhamos um espírito crítico e estejamos sempre disponíveis para rever as nossas práticas. Quando surgem resistências ou questionamentos, vale a pena parar e refletir sobre o que podemos fazer para promover um entendimento mais profundo do nosso
trabalho. Em particular, na relação com os intérpretes, uma das dimensões mais delicadas é encontrar o equilíbrio entre proteger os limites de cada um e, ao mesmo tempo, garantir-lhes autonomia para se expressarem e trazerem a sua própria visão criativa para a cena. Acho que também é importante não criar mais tabus em torno da sexualidade, mas sim permitir que ela seja abordada num ambiente seguro e consciente, e sobretudo, desde a ficção.
Claro que tudo isto depende muito das dinâmicas específicas de cada projeto, de cada cena e de cada pessoa com quem trabalhamos. São questões sensíveis e complexas, que devem ser mantidas em aberto para que possamos adaptar-nos continuamente à diversidade de contextos e equipas com que colaboramos.
O que aconselharias a alguém que queira aprofundar esta temática ou formar-se nesta área?
Começar por estudar as bases do consentimento e da ética no trabalho com o corpo é essencial, não só no contexto artístico, mas também no enquadramento social e político em que vivemos. É igualmente importante observar e analisar de forma crítica como a intimidade é representada nos média, desenvolvendo um olhar consciente e informado.
Atualmente, existem cada vez mais formações e workshops disponíveis em vários idiomas, assim como recursos pedagógicos online. Ter experiência prévia no setor audiovisual ou noutras práticas como a dança, o teatro ou a performance pode ser uma base muito enriquecedora. No entanto, o mais importante é cultivar a empatia, a escuta ativa e um compromisso ético profundo com o trabalho.
Se houver um verdadeiro interesse em construir uma carreira nesta área, considero fundamental realizar uma formação completa, com pelo menos 90 horas de duração, antes de assumir projetos como coordenador/a de intimidade. Os workshops introdutórios são úteis para ter uma primeira abordagem, mas dada a responsabilidade que esta função implica, não substituem a necessidade de uma formação sólida e abrangente.
Há alguma mulher no meio do cinema que aches inspiradora?
Sim, muitas!!! Uma das cineastas que mais me inspira é Céline Sciamma, pela sensibilidade com que retrata corpos, desejos e relações, fugindo de clichés e com grande cuidado visual e narrativo. Também admiro profundamente Carla Simón, em Espanha, e Cláudia Varejão, em Portugal, são duas realizadoras que trabalham com grande humanidade e ao mesmo tempo uma subjetividade muito livre. Não posso deixar de referir Chantal Akerman, uma referência incontornável na forma como filma o quotidiano. E, claro, as minhas colegas e fundadoras da IntimAct Espanha, Lucía e Tábata, mulheres com uma força e uma delicadeza impressionantes, comprometidas com a ética, a criatividade e a transformação do setor.
Entrevista da nossa associada Marta Fernandes